RESPIRAÇÃO HOLOTRÓPICA
O QUE É
A Respiração Holotrópica é uma abordagem experiencial de terapia e autoexploração, criada por Stanislav Grof e Christina Grof. Uma das mais poderosas e efetivas técnicas da psicologia transpessoal, a Respiração Holotrópica utiliza o potencial de cura e transformação dos estados ampliados de consciência, em um ambiente seguro e acolhedor. Nesses estados, os participantes vivenciam uma rica variedade de experiências, que proporcionam acesso às raízes de transtornos emocionais e psicossomáticos. Além da melhora emocional e física, os efeitos benéficos de repetidas sessões podem acarretar mudanças positivas na personalidade, no modo de ver o mundo e na hierarquia de valores. “Holotrópico” significa “movendo-se em direção à totalidade” e sugere tanto um movimento de reintegração de partes fragmentadas de si mesmo, quanto de reconexão com uma dimensão maior.
A Respiração Holotrópica utiliza uma combinação de técnicas aparentemente simples – respiração acelerada, música evocativa e um trabalho corporal específico que ajuda a liberar bloqueios emocionais e bioenergéticos. As sessões são geralmente realizadas em grupos: os participantes trabalham em pares e se alternam nos papéis de “respirantes” e “acompanhantes”. Esse processo é supervisionado por facilitadores treinados, que ajudam os participantes sempre que se faz necessária uma intervenção especial. Depois das sessões de respiração, os participantes expressam suas experiências pintando mandalas e partilham os relatos de suas viagens internas com o grupo. Entrevistas de acompanhamento e diversos métodos complementares são utilizados, se preciso, para facilitar a conclusão e a integração da experiência de respiração.
Em sua teoria e prática, a Respiração Holotrópica combina e integra diversos elementos da psicologia profunda, da pesquisa moderna da consciência, da psicologia transpessoal, das filosofias espirituais do Oriente e das práticas nativas de cura. Difere muito de formas tradicionais de psicoterapia que utilizam essencialmente meios verbais, como a psicanálise e outras escolas da psicologia profunda. Compartilha certas características com as terapias experienciais da psicologia humanista, como a Gestalt-terapia e as abordagens neorreichianas, que também enfatizam a expressão emocional direta e o trabalho corporal. No entanto, a Respiração Holotrópica se destaca dessas abordagens ao utilizar o potencial intrínseco de cura de estados incomuns de consciência.
COMO SURGIU A RESPIRAÇÃO HOLOTRÓPICA
Stanislav Grof (1931-) e Christina Grof (1941-2014) criaram juntos a Respiração Holotrópica no Instituto Esalen, na Califórnia, nos anos 1970-80.
O psiquiatra Stanislav Grof foi um dos pioneiros da pesquisa psicodélica nos anos 1950 e 1960, primeiramente na antiga Tchecoslováquia, depois nos EUA, onde mora até hoje. Stan é um dos fundadores da psicologia transpessoal e sua notável contribuição para a psicoterapia e para a pesquisa moderna da consciência está publicada em 22 livros e 160 artigos.
Professora de hatha yoga e arte, Christina casou-se com Stan e, juntos, lideraram centenas de workshops de Respiração Holotrópica em diversos países, fundaram a Associação Transpessoal Internacional, e coordenaram e participaram de diversas conferências internacionais. Em 1980, Christina fundou a Rede de Emergência Espiritual, organização para ajudar pessoas em crise psicoespiritual. É autora de dois livros e coautora, junto com Stan, de quatro livros. Christina faleceu em 2014.
Em 1989, Stan e Christina fundaram o Grof Transpersonal Training (GTT) como treinamento para formação de facilitadores de Respiração Holotrópica. Em 1998, o GTT passou a ser dirigido por Cary e Tav Sparks.
Em 2016, Stan casou-se com Brigitte Grof e juntos criaram, em 2020, um novo treinamento — Grof Legacy Training — para formação de profissionais habilitados a facilitar oficinas de Grof® Breathwork (respiração holotrópica), apoiar pessoas em emergência espiritual, em processo de morte e em sessões psicodélicas.
PRINCÍPIOS ESSENCIAIS DA
ABORDAGEM HOLOTRÓPICA
Os estados ampliados de consciência, chamados de “estados holotrópicos” por Stanislav Grof, constituem uma categoria especial de estados alterados. O termo “estado alterado de consciência” é amplo demais porque inclui estados tão diversos, como: delírios causados por doenças ou estados de total desorientação, como quando uma pessoa sofre traumatismo craniano e suas funções intelectuais são prejudicadas; ou, ainda, estados místicos, meditativos, experiências xamânicas, vivências com substâncias psicodélicas, hipnose etc.
Para se referir especificamente aos estados de consciência que têm potencial de cura e transformação, Grof cunhou o termo “holotrópico” (que significa “movendo-se em direção ao todo”). Além do potencial terapêutico, nesses estados é possível acessar informações e insights sobre a natureza da psique humana e da realidade.
Os estados ampliados (ou holotrópicos) de consciência são cultivados há milênios pelas mais diferentes culturas com o objetivo de promover cura, transformação e conexão espiritual. As culturas antigas e aborígines desenvolveram métodos diversos para induzir esses estados, como: toque de de tambor, música, canto, dança ritmada, respiração, isolamento social e sensorial, jejum, privação de sono e uso de plantas psicodélicas.
A vivência em estados holotrópicos, em um ambiente seguro e acolhedor, para fins terapêuticos e para o autoconhecimento, constitui uma característica fundamental da abordagem holotrópica.
Uma característica marcante dos estados holotrópicos é a ativação de um mecanismo terapêutico inato, involuntário. Assim como nosso organismo possui uma inteligência própria para realizar processos como a digestão ou a cicatrização de uma ferida, em estados holotrópicos, nosso organismo é capaz de ativar uma inteligência interna de autocura psíquica (“curador interno”). Essa inteligência age como um radar interno, trazendo à consciência os conteúdos psíquicos mais relevantes e disponíveis para serem processados. O “curador interno” manifesta uma sabedoria terapêutica que transcende a compreensão cognitiva de um terapeuta ou de qualquer escola de psicoterapia. Portanto, na Respiração Holotrópica, o facilitador não sugere temas a serem trabalhados nem dirige o processo; ele acolhe sem julgamento tudo o que emerge e atua apenas como uma pessoa de apoio e suporte, para garantir a segurança do trabalho e intervir apenas em situações excepcionais ou quando for solicitado. Nesses casos, o facilitador pode oferecer um tipo de trabalho corporal com o intuito de ajudar a liberar bloqueios emocionais e bioenergéticos, seguindo o fluxo da energia ativada pelo curador interno.
Os fenômenos encontrados no estudo dos estados holotrópicos não podem ser explicados no contexto do modelo tradicional da psique, limitado à biografia pós-natal e ao inconsciente individual freudiano. As dimensões da psique humana são infinitamente maiores do que o que está descrito nos manuais acadêmicos de psicologia e psiquiatria. No esforço de explicar as experiências e observações de estados holotrópicos, Grof propôs uma cartografia ou modelo da psique que contém, além do conhecido nível biográfico, duas dimensões transbiográficas: o nível perinatal, relacionado ao trauma biológico do nascimento, e o nível transpessoal, que é a fonte de fenômenos como identificação com outras pessoas ou animais, visões de seres e dimensões arquetípicos e mitológicos, experiências ancestrais, raciais e cármicas, e experiência de consciência cósmica. Trata-se de experiências que têm sido descritas ao longo dos tempos na literatura religiosa, mística e oculta e nas tradições orais de diferentes países.
Esse novo modelo da psique proposto por Grof possui implicações profundas para a compreensão de transtornos emocionais e psicossomáticas e oferece possibilidades terapêuticas novas e revolucionárias.
As sessões de Respiração Holotrópica podem abrir a psique de modo muito profundo e mudar a relação entre a dinâmica consciente e inconsciente. O resultado final da sessão não depende da quantidade de material traumático que foi trazido à consciência e processado, mas de como a experiência foi finalizada e integrada. E os primeiros passos para uma boa integração ocorrem durante o período de preparação, antes do trabalho experiencial. Durante a preparação, os participantes recebem informações práticas e teóricas sobre o trabalho. São instruídos a manter a atenção no processo interior, entregar-se totalmente às experiências e expressar sem críticas as emoções e energias físicas que surgem na sessão.
Durante a sessão, os facilitadores podem ajudar os respirantes que se mostrem relutantes a continuar e precisam permanecer com os participantes o tempo que for necessário para ajudá-los a fechar bem a sessão. O ideal é que, depois das sessões, todos estejam livres de dores ou de qualquer outro desconforto físico, e que estejam relaxados e num estado emocionalmente confortável.
Após a sessão, os participantes desenham mandalas como forma não verbal de elaboração e integração das suas vivências e, no fim do workshop, há uma roda de compartilhamento das experiências de todos. Os facilitadores passam orientações para melhor integração do trabalho pós-workshop: reservar tempo suficiente para digerir a experiência antes de conversar sobre suas vivências com outras pessoas, escolhendo com cuidado com quem conversar e as metáforas que utilizarão; não se lançar imediatamente a situações agitadas; se for possível, tomar banhos demorados, caminhar ao ar livre, receber uma boa massagem, meditar, pintar ou ouvir música. Também é possível realizar entrevistas de acompanhamento com um dos facilitadores, ou então procurar abordagens complementares de terapia.
Na psiquiatria, que utiliza o modelo médico, o período de início dos sintomas é geralmente visto como o começo da “doença” e a intensidade dos sintomas serve como medida da seriedade do processo patológico. O alívio dos sintomas é considerado “melhora clínica” e sua intensificação é vista como “piora da condição clínica”.
As observações do estudo de estados holotrópicos sugerem que pensar em termos de doença, diagnóstico e terapia alopática não é apropriado para a maior parte dos problemas psiquiátricos que não são de natureza claramente orgânica, incluindo algumas condições atualmente classificadas como psicoses. Todos nós experienciamos as vicissitudes e os desafios do desenvolvimento embrionário, do nascimento, da fase de bebê e da infância. Isso deixou marcas traumáticas no inconsciente de todos nós, embora certamente variem em intensidade, extensão e também disponibilidade para a experiência consciente. Toda pessoa carrega uma variedade de bloqueios emocionais e bioenergéticos mais ou menos latentes que interferem no pleno funcionamento fisiológico e psicológico.
Na perspectiva holotrópica, a manifestação desses sintomas emocionais e psicossomáticos é o início de um processo de cura por meio do qual o organismo tenta se liberar das marcas traumáticas e simplificar seu funcionamento. A única maneira para isso ocorrer é por meio da emergência do material traumático à consciência e sua completa experiência e expressão emocional e motora.
A emergência de sintomas representa, portanto, não apenas um problema, mas também uma oportunidade terapêutica; esse insight está na base da maioria das psicoterapias experienciais. Os sintomas se manifestam na área em que o sistema de defesa está mais fraco, possibilitando o início do processo de cura.
Referências:
GROF, Stanislav e GROF, Christina. Respiração Holotrópica: uma nova abordagem de terapia e autoexploração. Rio de Janeiro: Numina, 2011.
GROF, Stanislav. Cura profunda: a perspectiva holotrópica. Rio de Janeiro, Numina, 2015.
GROF, Stanislav. O caminho do psiconauta: enciclopédia para jornadas internas, vol. I e II. Rio de Janeiro: Numina, 2020.
SPARKS, Tav. The Power Within: Becoming, Being and the Holotropic Paradigm. Londres: Muswell Hill Press, 2016.